De volta ao Parque Arqueológico do Côa para uma rápida visita ao núcleo de arte pré-histórica da Ribeira de Piscos. Dei um azar danado quando lá estive, em setembro do ano passado. Tempo ruim, com chuvisco indo e vindo a todo instante, e uma luz difusa que me proporcionava quase nada de contraste. Algumas gravuras, como a dos cavalos com as cabeças enlaçadas da rocha 1, estavam bem “sujas”, cobertas de sedimentos por causa dos aguaceiros nos dias anteriores. Resultado: fotos muito ruins. Publicáveis, só a do auroque da rocha 13, mostrada aqui em novembro, e mais meia dúzia ou um pouco mais. Quatro dessas eu reúno neste post.

Visual do Côa nas proximidades da foz da Ribeira de Piscos: escola paleolítica de Belas Artes
Pesquisando na web, fui parar no blog PhotoArch, que escreve assim sobre a Ribeira de Piscos: “Os critérios que permitiram datar esse vasto conjunto artístico foram vários. No caso do Paleolítico Superior (que, em Portugal, corresponde ao período compreendido entre cerca de 30 mil e 10 mil anos antes do presente), recorreu-se em primeiro lugar à identificação das espécies figuradas. O cavalo e o auroque (o antepassado selvagem dos actuais bois domésticos), omnipresentes no Côa, são também espécies muito importantes na arte parietal paleolítica das grutas franco-cantábricas [Altamira e Lascaux, entre outras].”

O auroque da rocha 2: famosa pela figura humana da qual não tenho uma única foto publicável
Aproveito para reproduzir também alguns trechos de um texto do qual gosto muito, escrito por Luís Miguel Queirós para o Público em 2012:
“Como toda a arte paleolítica, as gravuras do Côa obedecem a representações estereotipadas – os animais são quase sempre figurados do mesmo modo, mesmo naqueles raros detalhes em que se afastam ligeiramente dos seus modelos vivos, como nas barrigas um nadinha acentuadas. Mas essa homogeneidade não significa que a sua execução estivesse ao alcance de qualquer um. A indiscutível perícia dos artistas do Côa sugere algum tipo de formação, de discipulato. ‘Uma espécie de escola de Belas-Artes’, ri-se [o arqueólogo] António Martinho Baptista [diretor do parque], não sendo todavia certo que o diga inteiramente a brincar.”

O cavalo da rocha 24, que está de perfil, mas nos encara de frente: algo nada usual
“Ao revelarem a existência de uma arte paleolítica ao ar livre produzida em grande escala”, escreve Queirós, “as descobertas no vale do Côa vieram estimular a investigação, e não será de espantar que se venham a fazer novas descobertas noutros locais. Mas, do que se conhece até agora, não há a menor dúvida de que o Côa é um caso único, não só pela concentração de vestígios – encontraram-se até este momento mais de mil rochas gravadas, das quais cerca de metade datarão do Paleolítico –, mas também pela própria qualidade das gravuras. ‘Não quero chamar ao Côa o vale sagrado’, diz Martinho Baptista, ‘mas acho que ali só eram mesmo autorizados a praticar, pelo status social do tempo, artistas a quem fosse reconhecida competência.’”

Perto das rochas 1 e 2: vida que segue entre as gravuras
© Fotos: Eduardo Lima / Walkabout – Todos os direitos reservados