“Diz-se que a história certificada é só aquela que tiver sido passada a escrito, mas a história autêntica da colina de Évora e das suas cercanias, a história que não teve ninguém que a descrevesse, mas que nem por isso foi menos substancial, essa história ilegível, inscrita na superfície do tempo, é o alicerce mais profundo sobre o qual se edificou, destruiu e tornou a edificar a cidade. Até hoje. O próprio topónimo, Évora, quando o pronunciamos, quando nos detemos a escutá-lo, ressoa na nossa boca e nos nossos ouvidos como a memória de uma voz arcaica. Porque Évora é principalmente um estado de espírito, aquele estado de espírito que, ao longo da sua história, a fez defender quase sempre o lugar do passado sem negar ao presente o espaço que lhe é próprio, como se, com o mesmo olhar intenso que os seus horizontes requerem, a si mesma se tivesse contemplado e portanto compreendido que só existe um modo de perenidade capaz de sobreviver à precariedade das existências humanas e das suas obras: segurar o fio da história e com ele bem agarrado avançar para o futuro. Évora está viva porque estão vivas a suas raízes.”
José Saramago e Eduardo Gageiro em Évora, Património da Humanidade
Foto: © Eduardo Lima / Walkabout