A Quinta de Ervamoira, no Douro Superior, vista de três pontos distintos: de longe, desde o Miradouro de São Gabriel, em Castelo Melhor; mais de perto, da estrada que leva ao sítio arqueológico de Penascosa; e bem de pertinho, ou melhor, lá de dentro da quinta. Em Ervamoira, passei algumas horas saborosíssimas – entre um belo almoço, boas taças de vinho, um giro pelo museu e uma volta completa pela propriedade a bordo de um todo-terreno. Se essa mesma oportunidade quicar na sua frente algum dia desses, não deixe, sob hipótese alguma, de encher o pé e partir para o abraço. Trata-se de um daqueles passeios que não se esquecem jamais.
Reproduzo a seguir trechos de um texto sobre Ervamoira escrito por António Sá para o Público:
“A partir da pacata localidade de Muxagata, poucos quilómetros a sul de Vila Nova de Foz Côa, podemos aceder a uma das quintas mais peculiares do Alto Douro Vinhateiro. A história do local funde-se com a geologia da Terra, se quisermos pegar pela temática do xisto local; abraça a arte paleolítica, com boa parte das gravuras rupestres mais representativas situadas mesmo em frente; segue depois pelo período romano, pela Idade Média, e vem até aos nossos dias com a produção de vinhos de renome. Por isso, uma visita à Ervamoira tem de ser encarada como uma viagem no tempo… com tempo para ser plenamente apreciada, como o próprio vinho.
Após Muxagata, o caminho em terra batida depressa se embrenha na paisagem agreste, para ir descendo em direcção à margem esquerda do Côa. Durante o tempo seco, é o calor e a poeira que desafiam os nossos limites, tornando o ar duplamente irrespirável; quando chegam as chuvas, é a vez da lama e das águas da Ribeira de Piscos condimentarem o acesso – nada que aflija os veículos todo-o-terreno de serviço ou, sequer, os nossos sentidos, que até desembrutecem com o temperamento de uma região tão rija quanto generosa. A chegada é anunciada por um mar de vinhedos, em ondulação suave voltada aos quadrantes sul e nascente, e povoado pelas cinco castas tradicionais da região. Na primavera, os tons de verde contrastam com o amarelado das encostas, enquanto durante os primeiros dias de outono uma paleta de ocres e vermelhos pinta os horizontes com um insuperável ‘bouquet’ visual. Independentemente da altura do ano, mais do que as tonalidades que empresta à paisagem, a vinha tem aqui um grafismo especial; é algo de que se gosta à primeira, mas que só se interioriza à segunda, quando nos explicam que Ervamoira foi a primeira e é a única vinha integralmente plantada na vertical – método também apelidado de ‘vinha ao alto’.”
“Foi em 1974 que José Ramos Pinto Rosas viu nestas terras a localização perfeita para uma quinta modelo na produção de porto e vinhos de mesa. Baseado na experiência de José Sobral, que durante anos trabalhara na propriedade (então apenas dedicada às culturas da oliveira e do centeio), e nos conhecimentos do enólogo João Nicolau de Almeida, a ideia encorpou naquilo que agora estamos a ver e que, daqui a uns minutos, podemos mesmo provar.”
“Praticamente no final do trajecto, os contornos de uma casa de xisto isolada erguem-se acima dos bardos, como um farol ao cabo deste oceano de Baco. É o Museu do Sítio de Ervamoira – uma espécie de Arca de Noé que perpetua a memória da quinta –, recuperado e inaugurado em 1997 após a decisão governamental de suspender a construção da barragem do Côa. Se as gravuras e a propriedade já partilhavam o mesmo contexto paisagístico, a partir desse momento, salvas de uma submersão compulsiva, passaram também a partilhar o mesmo desígnio: relembrar aos homens a cegueira das suas precipitações. E assim entramos neste humilde e grandioso templo.
As suas quatro salas, maiores do que a volumetria do edifício deixa adivinhar, revelam-nos os diferentes aspectos da região onde se insere a quinta. Primeiro, abordam-se os factos geológicos, paisagísticos, biológicos e arqueológicos, com especial incidência nas gravuras rupestres do paleolítico que se encontram fora e dentro dos seus limites. Depois, passa-se à realidade da viticultura, onde se explica a tipologia do plantio, as diferentes castas, e se dá a conhecer os visionários que deram forma a tudo isto. A sala seguinte é partilhada entre uma exposição permanente dos achados numa estação arqueológica romana e medieval (diversas peças de cerâmica, moedas romanas, um sarcófago, entre outros) e uma temporária, dedicada à pintura, escrita ou trabalhos científicos inspirados no contexto geográfico da Ervamoira. Uma última câmara reserva-nos uma viagem à história da Ramos Pinto, através dos rótulos mais emblemáticos, e a oportunidade de levar para casa um pedaço do seu património – sob a forma mais óbvia, numa garrafa do conhecido Duas Quintas, ou através de uma reprodução dos ousados posters Belle Époque com que a casa fazia anunciar os seus néctares.”
© Fotos: Eduardo Lima / Walkabout – Todos os direitos reservados (1 a 6); Reprodução (7)